regressar

palavras. leva-as a chuva que cai na calçada. palavras. leva-as o bolso roto da gabardine azul céu carregado. palavras. leva-as as linhas da página 23 do livro de capa dura, disposto sobre a segunda prateleira. palavras. leva-as a tua boca, contidas há tempo suficiente para serem esquecidas. palavras e apenas palavras. para onde é que as levas?

Tem momentos

Chegado ao cume dos pensamentos, sento e inicio o deleite. Espontaneamente deixo que o corpo rebole em círculos encenados. Vejo as sensações desfilarem à minha volta. Não me pertencem, nem sei se algum dia vão pertencer. É absurdo pensar que a relva arrancada pode esconder segredos.

Da mudança

Da introdução ao desenvolvimento foi um salto. Com a mesma convicção de um jockey em competição.
Tem valido a pena. E a tinta, e as folhas, e as palavras.
Passei a respirar sem máscara e a comer cereais sem leite.
Gosto disto.

Secondavera

Perder-se isolada pelos gomos de verdade distribuídos sobre a mesa. Incapaz de conter as linhas que vão sendo rabiscadas na palma da mão. Observo-te, distante. Cada perímetro que me separa do inconsciente que te absorve. Um a um, dois de uma vez. Um equilíbrio desequilibrado na corda bamba. Prestes a tombar sobre o vazio.
Sonho-te, desejo-te numa utopia mal amanhada. Permito que me provoques sensações do não-ser-sendo. Desdobras o mapa que sou e assinalas, sem pudor e num azul arranhado, os caminhos que vais percorrer. Fico impávida.

Derramo as pétalas da tua flor ainda em fase de nascença. Confundo-me na clorofila das tuas folhas e imploro pelo equinócio do nosso Outono. Assim caímos juntos, sem alma, no chão que não nos conhece. E deixar-nos-emos pisar, só para sentir o estalar do velho sobre o novo.

Será o fim de manhã-tarde-noite de sempre. Aliás, como sempre.

Parabéns a ti

Belo dia o de hoje. Não porque finalmente a ressaca pode ser festejada (estes brasileiros são loucos); nem porque neste exacto dia, em 1854, era introduzido o carnaval de rua (que seria de Ovar); muito menos ainda pelo aniversário da fundação do vosso S.L.B.(como disse?).
Hoje a minha 1º maninha faz anos! O que é que pode ser mais importante que isso?


Nota: Há que trocar o milho ( caso o Gally tenha falhado) pelo alho. Segundo os celtas, isso protegerá a casa até o próximo ano.Se eles dizem...

Problema: continuo sem muito para fazer.

dias, para que vos quero!

Nos últimos tempos passei a dar mais importância aos dias. Vê-los passar como meros ciclos de 24 horas, assistindo ao sol a entrar por uma porta e sair por outra, estava a fazer com que começasse a encarar o meu calendário de cabeceira como um estorvo carregado de números e dias. Foi então que me enchi de curiosidade e, de caneta em punho, comecei a catalogar os dias por celebrações ou acontecimentos relevantes/engraçados/absurdos.

Depois de fazer o S. Valentim partilhar os seus corações com o Doente coronário e a Disfunção Sexual (segundo amigos, está tudo interligado) no calendário gregoniano, decidi alargar a abrangência das minhas fontes de pesquisa e passar a incluir o calendário místico celta. Assim sendo, hoje, dia 27 de fevereiro, mês das fadas caseiras, o Gally Bird, um pássaro azul com sotaque irlandês e que vive no mundo das fadas, visita o nosso mundo, dizem, trazendo prosperidade e boa sorte. Logo, o ritual diário que sugerem é que coloque treze (em alfacinha, treuze)grãos de milho na janela.

Enquanto o Gally enche o papo trazendo alegrias aos celtas, pelo Brasil, o idoso recebe as honras deste dia. Por cá, faz 9 anos que terminou o restauro de seis anos da Fragata D. Fernando II e Glória, na mesma onde por alturas do meu estágio atrapalhei as gravações do anúncio de tv do azeite Galo para perguntar onde era o meu lugar. Um belo trabalho, ali. O do restauro, claro.


Tenho a ligeira impressão de que ando com falta do que fazer.

e sempre que o Homem sonha...

Entravas de rompante na casa despida de paredes. O azul cortava as suspensas janelas oblíquas e a cada canto duas cadeiras sobrepostas socializavam no aveludado de outros tempos. Eu, estendida sobre a madeira tosca, em paralelo com o tecto falso e imperfeito e de olhos postos na luz ténue do abajour, disse numa voz magoada:
-"não vês que dói..."
Os teus passos rangiam na minha direcção. A sensação perfumada de te ter mais próxima fez renascer uma esperança já guardada. Não és pó, nem peixe fora d'água. Não te temo, agora.
A maçã que trazes contigo, de pouco lhe resta. Ouço os teus dentes rasgarem a casca verde, ao mesmo tempo que salpicam gotas do sumo nela comprimido. Bem ácido, como tu gostas. Já ao meu lado, num ângulo recto, sinto o teu olhar carregado. Afasto os olhos da luz num gesto tão repentino e ansioso que tudo rapidamente se esvanece.

"Vá,dorme, fui só apagar a luz. Boa noite."